Dra. Renata Carvalho
Médica psiquiatra
CRM-SP: 165707 / RQE: 67553

Receber o diagnóstico de TDAH na vida adulta é, para muitos, um momento de revelação e alívio.
Finalmente, tudo começa a fazer sentido: as dificuldades constantes com foco, a tendência à procrastinação, os esquecimentos frequentes, os fracassos aparentemente “inexplicáveis” ao longo da vida. Mas, junto com esse entendimento, emerge um sentimento mais silencioso e profundo, que poucos têm coragem de nomear: o luto.
É o luto por um tempo que não volta. O luto por uma trajetória que poderia ter sido mais leve, mais compreendida. É como se, ao olhar para trás, o adulto que recebe o diagnóstico finalmente enxergasse a criança, o adolescente e o jovem que foram julgados, rotulados, mal compreendidos — inclusive por si mesmos. E essa consciência não chega sem dor.
Muitos dos meus pacientes descrevem essa experiência como um processo de perda.
Perda das oportunidades que escaparam. Da autoconfiança que nunca chegou a se firmar. Da paz que foi comprometida por anos de culpa, autocrítica e tentativas frustradas de “fazer como todo mundo faz”.
É comum escutar frases como: “Se eu soubesse disso antes…”, “Talvez eu tivesse escolhido outra profissão”, “Eu teria sido mais gentil comigo”. Há, ainda, um ressentimento legítimo: Por que ninguém percebeu? Ou, pior ainda: Por que eu mesmo nunca desconfiei?
Esse tipo de luto, silencioso e interno, costuma vir acompanhado de sintomas depressivos. É a mente tentando organizar uma nova narrativa para o passado, à luz do novo diagnóstico. Para alguns, isso se transforma em uma urgência: a necessidade de “recuperar o tempo perdido”, de compensar todos os anos vividos sem o suporte adequado.
O problema é que esse impulso, por mais compreensível que seja, frequentemente conduz à exaustão emocional. Porque tentar correr atrás do que ficou para trás sem antes processar a dor dessa perda é como tentar construir uma casa nova em cima dos escombros da anterior, sem remover os destroços.
Mas há um ponto de virada.
E ele começa com o reconhecimento: você já chegou até aqui.
Mesmo sem o diagnóstico, mesmo com todos os percalços, você sobreviveu, se adaptou, funcionou — da sua maneira, com os recursos que tinha. Talvez com jeitinhos, improvisos, atalhos ou estratégias compensatórias que hoje já não funcionam mais. Mas funcionaram por um bom tempo, e isso precisa ser honrado.
A verdade é que o diagnóstico não muda o passado, mas muda completamente a forma como você pode viver o presente e planejar o futuro. Ele oferece um mapa. Uma bússola. Ele não garante o caminho certo, mas aponta o norte. A partir daí, é possível escolher caminhos mais coerentes com o seu funcionamento, com menos frustração e mais respeito à sua forma única de ser.
Nesse novo capítulo, algumas atitudes fazem toda a diferença.
O tratamento adequado — que pode incluir ou não o uso de medicações — oferece suporte neurobiológico para a autorregulação emocional e cognitiva.
A psicoterapia, especialmente com abordagens como a terapia cognitivo-comportamental, ajuda a desconstruir padrões de pensamento cristalizados por anos de sofrimento.
A atividade física, por sua vez, contribui para o equilíbrio neuroquímico e melhora significativamente os sintomas.
E, mais do que tudo, a construção de uma rotina adaptada, leve e funcional, se torna uma das ferramentas mais poderosas para manter o foco, preservar a energia mental e proteger sua autoestima.
O diagnóstico tardio de TDAH é, sim, um marco. Mas não é um fim. É o ponto de partida para uma nova etapa — mais consciente, mais gentil, mais potente. E talvez o maior ganho não seja compensar o que foi perdido, mas finalmente viver sem a culpa de não ter sido quem esperavam que você fosse. A partir de agora, é possível ser quem você é, com clareza, com estratégia e com mais leveza.
O diagnóstico não apaga o que foi, mas abre espaço para o que pode ser. Você merece viver com mais clareza, cuidado e respeito à sua história. Busque um especialista e permita-se recomeçar com apoio.